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SEMIÓTICA – DA ERA MEDIEVAL ATÉ O PEIRCE

Já passamos então pelo período da semiótica lógica (Platão, Aristóteles, os Estoicos, Santo Agostinho) e pelo processo didático (epicuristas). Se você não está lembrado ou ainda não leu acesse: Semiótica - Até tu, Santo Agostinho? Agora vamos para Semiótica Medieval.

1 - Também conhecida como semiótica escolástica (tentativa de conciliar a Teologia com a Filosofia). Se você pensa que os monges da idade média ficavam rezando, dormindo e rezando, você, caro leitor, está muito enganado. Nesse ambiente de pedras úmidas com ares teológicos foi consolidado ar ditas artes liberais como gramática, retórica e dialética. Isso abriu possibilidade de se debater o signo. Os estudos da filosofia natural, filosofia moral, e ciência dos signos também conhecida como ciência racional, que tinha bastante afinidade com a lógica. O fato é que esses estudos foram organizados nesse período.

Dois importantes tratados criados nessa época foram de grande contribuição. De signis de Roger Bacon (1215 – 1294), conhecido como Doctor Mirabilis (doutor admirável), foi um dos frades de muita influência na área da filosofia. Um segundo tratado que também foi de grande importância foi o intitulado Tractatus de Singis, o tratado sobre o signo foi publicado pelo João de São Thomás (1589 – 1644), conhecido como Jean Poinsot. No campo da lógica, ele procurou delimitar o signo através de duas características. Na primeira o signo sendo um instrumento de comunicação, funcionando como um meio; na segunda, os signos não são somente instrumentos de comunicação, mas também instrumentos de cognição. Algo muito próximo da definição de semiótica que temos hoje.

Para não sermos contaminados pela virose do anacronismo, temos que lembrar que nesse momento (o Medieval) estávamos caminhando também no renascimento e vendo grandes transformações científicas, sociais e culturais. Não há como desvincular dois modelos inegavelmente ligados a esse contexto: “Quatro Sentidos Exegéticos” ou “Doutrina dos Quatro Sentidos”, e “Doutrina das Assinaturas”.

2 - A Doutrina dos Quatro Sentidos

Toda base semiótica dessa época tinha referencial religioso, portanto, a Bíblia aqui é considerada o livro dos ensinamentos sagrados e era nela que se procurava explicar, pelo menos, uma parte da existência deste mundo. O método utilizado era basicamente dividir em quatro níveis de interpretação:

Primeiro nível: sentido literal ou histórico – os sentidos da forma como eles aparecem no texto;
Segundo nível: sentido tropológico ou moral – responsável por revelar a vida do homem;
Terceiro nível: caracterizava a alegoria – revelava uma relação direta entre Cristo e a Igreja;
Quarto nível: anagógico – seriam os mistérios celestes.

3 - Doutrina das Assinaturas

Formulado pelo médico suíço Paracelso (1493 – 1541), esse modelo contribuiu muito para semiótica. Com o objetivo de estruturar um sistema de códigos para interpretar os signos naturais, Paracelso criou a chamada Doutrina das Assinaturas. Esse modelo entendia que os signos não só se originam de Deus, mas também se originam de vários outros sujeitos, considerados como “assinantes” de signos naturais, e se dividiam em: primeiro, o homem, depois um “princípio interior” e em terceiro, as estrelas e os planetas.

4 - O modelo diático e Semiótica racionalista (séculos XVII e XVIII)

Nessa época o a semiótica sofre muita influência do racionalismo, empirismo e iluminismo. René Descartes (1596 – 1650), grande nome do racionalismo cartesiano, formulou a teoria das três ideias inatas: ideias adventícias, aquelas que nos chegam através do sentido; ideias fictícias - são produzidas pela imaginação; e, a terceira, ideias inatas, são ideias essenciais que existem na mente sem auxílio de um histórico. Com isso, o Descartes abandona o modelo triádico e apresenta um modelo diático da semiótica racionalista. Essa versão foi difundida amplamente pela abadia de Port-Royal, a ideia da coisa representada correspondente ao significado do signo. A proposta cartesiana se apresenta assim:

SIGNO = Ideia da coisa que representa + Ideia da coisa representada

A semiótica racionalista quando defendeu que a concepção diádica não consiste em uma entidade material e outra mental, mas sim em duas mentais, ou seja, a ideia ou imagem do som de um lado e conceito de outro, estabelecia a semiótica nos moldes da que conhecemos hoje: significante – imagem acústica; e significado – conceito. Para exemplificar, caro leitor, quando alguém dia a palavra ‘guitarra’ o significante da guitarra não é a palavra que foi pronunciada, mas sim o modelo mental de guitarra, que já está elaborado na mente do interlocutor. Eu nem fale a cor da guitarra e provavelmente você pensou numa guitarra com uma cor.

Alguém muito importante apareceria para discordar das “ideias inatas” proferidas por Descartes e foi ninguém menos que o ideólogo do liberalismo, o filósofo John Locke (1632 – 1704), além de idealizar o liberalismo também se destacou na construção da semiótica moderna. É a ele atribuída a criação do termo “semiótica”.

Para Locke as ideias são signos que representavam as coisas na mente do interlocutor, as palavras representam as ideias e elas não podem ser separadas. Tipo assim:

SIGNO = Palavra + Ideia

Essa relação tornou-se objeto central e mesmo não sendo um trator, mas abriu caminhos importantes para os estudos dos signos, mais especificadamente dois caminhos, o de Ferdinand Saussure (1857 – 1914), semiótica estrutural ou semiologia, e Charles Sanders Peirce (1939 – 1914), semiótica, finalmente, peirceana.

5 - Semiologia de Saussure e semiótica peirceana

A semiologia, também conhecida como linguística saussureana tem como preocupação os estudos da ciência da linguagem verbal. Já na semiótica peirceana, o foco é a ação do signo, razão pela qual é a ciência de todas as linguagens. Como diria uma certa esposa de um certo empresário, vamos por partes (piada infame!).

5.1 – Saussure (1857 – 1914)

Segundo esse cara os princípios científicos e metodológicos da linguística são regidos por regras e princípios comuns a todas as línguas. Para ele a língua é social, ela é adotada no corpo social, sendo um conjunto puramente de convenções. Saussure também afirmou que não há uma correspondência entre a união de palavras e coisas, mas sim, formam uma unidade linguística. São termos “psíquicos”, o que significa que signos linguísticos não une uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica – essa combinação é denominada de signo. O conceito é denominado de ‘significado’ e a imagem acústica de ‘significante’.

SIGNO = Significado + significante

Vocês vão ver muitos exemplos com cavalos nessa parte, mas meu animal preferido é o bife. Gosto mesmo de guitarra, então, segue o exemplo:
SIGNIFICANTE 
Imagem acústica,
aspecto material,
desenho, som etc.


SIGNIFICADO
G+U+I+T+A+R+R+A
Conceito: instrumento musical de corda etc.

A associação entre significante e significado é arbitrária. As duas faces do signo são puramente convencionais e, como já dito, as duas são psíquicos. Eu não sei o que vocês fizeram no verão passado, mas sei o que, provavelmente, estão pensando. “Entendi nada”. Relaxa que isso é um tipo de apanhado geral, em outras publicações vamos destrinchar cada um desses elementos, mas sem mais delongas, vamos para Peirce.

5.2 – Peirce (1939 – 1914)

Esse cara é sem dúvida o mais importante nome da semiótica moderna. A semiótica peirceana é utilizada como ferramenta para promover e aprimorar pesquisas em várias esferas culturais, sociais e acadêmicas, como, artes visuais, dança, arquitetura, matemática, medicina, engenharia e muito mais. A classificação didática e metodológica divide a semiótica peirceana em três momentos:

Primeiro momento: Surgimento das primeiras obras de Peirce, os intelectuais e estudiosos aplicavam esses estudos somente na esfera filosófica tradicional;
Segundo Momento: Há uma expansão, pois os estudiosos de Peirce pontuam também os aspectos matemáticos e lógicos, com certo destaque formalístico à lógica;
Terceiro Momento: Há um grande volume em muitos setores diferentes, a semiótica ganha total relevo, e se insere principalmente no contexto literários, críticos, artísticos, linguísticos etc.

Peirce, sofreu as mesmas coisas que você sofreu lendo este texto, já que ele buscou fundamentação na lógica aristotélica, epicurista, estoica e na lógica escolástica, sofreu todas essas influências na formulação da doutrina geral dos signos, a semiótica.
Ser signo para Peirce é incorporar a noção de relação triádica. Para ele, o signo não é somente o elemento mínimo e formal de toda a representação do pensamento. Ele é tudo o que estabelece ou participa de uma relação triádica, que podemos denominar relação-signo.

Para Peirce, um “signo” um elemento de cognição, por um lado determinado por um signo que não é ele mesmo, seu “objeto”, e por outro lado determina em alguma mente potencial ou efetivamente presente, um outro signo, seu “interpretante”, sendo mediatamente determinado pelo objeto-signo.

Então teríamos uma tríade: I – objeto (guitarra); 2 – signo (guitarra); 3 – interpretante (instrumento musical de corda que emite som).

1 – Objeto – compreende todo o domínio da natureza.
2 – Signo – é todo o elemento lógico que fica no lugar do objeto, representa esse objeto.
3 – Interpretante – é uma rede de signos dentro do qual o signo é programado.
Fica claro que, para esse pensador, a presença do ser humano, em qualquer evento, encerra uma reação necessariamente triádica.

Por enquanto é isso. E você aí pensando que semiótica era só olhar as coisas com um olho só, né? Até pode ser, mas por enquanto é só isso tudo aí. Sei que você passou o texto inteiro esperando eu citar Lúcia Santaella, mas decidi citar agora para esclarecer que só vou citar no próximo texto. Abraços cordiais! Até a próxima!




Por Pierre Logan

Advogado, Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas. Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito. Filósofo e licenciando em filosofia pela Universidade Cruzeiro do Sul. Membro do Seminário de Filosofia - Olavo de Carvalho e da Jovem Advocacia de São Paulo. Compositor, gravou no final de 2015 o disco Crônicas de Um Mundo Moderno. Atualmente também é colunista do Jornal SP em notícias. 

Contato: 
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